Tarefa difícil, escrever sobre o Lucas. Não que não haja assuntos, mas foram muitos, e muito intensos, ainda sinto demais a sua falta. Neste período desde a sua partida ainda acordo muitas vezes pensando que não aconteceu, que foi só um sonho.
Nossa relação de pai e filho sempre foi perfeita, aquela que todo pai gostaria de ter de seu filho. Vivemos bem demais nossa relação, fomos amigos de verdade, não escondíamos nada um do outro, tínhamos confiança. Desde pequeno meu parceirinho, era ouvir que eu estava pegando a chave do carro já lá estava para ir junto. Fosse numa limpeza, num conserto, numa obra, qualquer que fosse minha atividade estava lá sempre presente e solícito. Também nos momentos de lazer, sabe aquele que alegra todo ambiente, que transforma onde está? Que nos faz rir e sentir bem? Ia sempre comigo nos jogos de futsal e logo começou a jogar junto também, sim consegui jogar futebol com meu filho, que sensação boa. Tivemos também a parceria de louvar a Deus juntos, tanto tempo tocamos e cantamos em tantas e tantas missas. Me sentia o pai mais realizado do mundo, quando estávamos todos no altar e nossos olhares e nossas vozes se dirigiam a Deus numa entrega profunda e verdadeira, vivemos muitos momentos assim.
O Lucas sempre foi atento as necessidades da coletividade, onde estivesse estava sempre ativo, fazendo algo, preocupando-se com os demais em todos os lugares que convivia no trabalho, na escola, no lazer, na igreja, na família. Certo que por isso cativou tanta gente em sua vida. Nossa que bons anos vividos estes 25 anos e em todos esses anos, quando atingiu uma maturidade na fé, focou sua vida em buscar a santidade. Neste período não éramos mais nós os pais que o educávamos na fé mas, tantas vezes, ele que nos evangelizava. Por tantas vezes eu e a Vivi falamos em nossas palestras e testemunhos quando éramos jovens das palavras de São João Paulo II que queria ver santos alegres, de calça jeans, que vão ao cinema, que tomam coca-cola. Nós conseguimos ver isso acontecendo em nossas vidas.
No ano de 2008 viemos residir no bairro Fião em São Leopoldo em frente a paróquia São José Operário e pudemos viver um pouco do céu aqui na terra. Um período que vimos nossos filhos crescerem e transformarem-se em meio a amizades verdadeiras e profundas, amizades dos amigos de nossos filhos, que tornaram-se nossas amizades e que em pouco tempo já faziam parte também na nossa família. Nossa família da fé como chamamos.
Confesso que não tive uma boa reação com sua páscoa e por muito tempo sofri a dor da perda, a tristeza da partida e fiquei preso a esses sentimentos. Mas o Lucas não era isso, não era dor, não era tristeza, era sorriso, alegria verdadeira e travo agora minhas batalhas para superar esta fase.
Sua partida nos fez rever muita coisa em nossa vida, talvez coisas que já sabíamos, que já falávamos, mas agora Nosso Senhor nos põe a prova sobre nossa fé, e a luz da fé consigo agora compreender tantas coisas. De formas mais profundas, mais verdadeiras como sempre deveriam ser as coisas de Deus. Compreendo agora que escrever sobre ele, falar sobre ele sim é preciso. Com muita ajuda de tantos amigos e da minha esposa amada, precisamos contar esta história. Esta decisão veio com muitas lágrimas amparadas por meu grande amigo, irmão, por vezes filho, por vezes pai, mas fundamentalmente meu diretor espiritual Pe. Alex Boardmann. Este sacerdote que faz parte de nossa família e conheceu tão profundamente nosso Lucas me encorajou a escrever sobre ele. Neste relato vou tentar contar um pouco da última semana que vivemos juntos. Não sou bom em detalhes, mas vou tentar. O objetivo é que outras pessoas conheçam a história desde jovem que passou por tantas provações, sacrifícios, dores, desafios que toda juventude enfrenta nos dias de hoje e conseguiu através de muita oração, superá-los, provando que é possível sim ser diferente, fazer a diferença, ser exemplo.
No sábado anterior estivemos no apartamento deles para uma jantinha, tão felizes estavam ele e a Léti em nos receber em seu lar. Já vimos que algo não estava bem com a saúde dele, mas ele não falava disso só queria bagunçar com os pequenos. Foi um sentimento bem diferente pra mim, como pai coruja, ver meu filho casado em seu próprio apartamento. Eu ainda administrava isso pois sentia a falta dele morar conosco. Mas eles estavam tão bem que nem pensei mais nisso. Rimos bastante como sempre e saímos alegres de ver nosso filho orgulhoso pelo seu lar e sua esposa. Após nosso encontro, na terça feira começou nosso calvário.
Tenho dificuldades ainda em falar sobre isso, vivi sensações muito particulares, de muita desesperança nestes dias. Mas a forma que nosso querido Lucas encarou tudo precisa ser contada. Na mesma terça, ao ser hospitalizado já nos passaram o diagnóstico de leucemia. Até aí imaginava uma nova etapa em nossas vidas, com quimios, hospitais, agruras e dificuldades. Mas pensava que iríamos permanecer unidos como sempre fomos e iríamos encarar tudo de frente. Ele também encarava dessa forma, focava no que iria fazer daí pra frente. Como sempre, ainda fez piada com a novela laços de família onde um personagem teve seu cabelo raspado, ele queria que eu buscasse aquela musica pra tocar quando lhe fossem raspar a cabeça. Lucas sendo Lucas.
Na mesma noite ao saber que o chuveiro do hospital não funcionava direito pediu pra eu levar algumas ferramentas que ele poderia consertar enquanto estivesse hospitalizado. Na quarta feira entre burocracias e incertezas dos hospitais a medica responsável avisava que o quadro dele era grave e ele precisava ir com urgência para um hospital em Porto Alegre. No horário de almoço a Laís conseguiu vê-lo e ele lhe disse que “houvesse o que houvesse” ela não deveria cancelar o casamento marcado para o sábado. Ele disse que sabia que estaria ainda hospitalizado e não queria que ela cancelasse mesmo assim. Num primeiro momento iríamos tentar na quarta mesmo irmos para Porto Alegre sem a certeza de uma internação. Quando tomamos esta decisão o Lucas pediu se poderia passar em casa antes pra ver os pequenos. Estavam ainda nas escolinhas, mas concordamos com ele e fui busca-los. Parece que ele sabia que era sua despedida. Pulavam em cima dele e ele sorrindo alegre com eles e explicando que teria que ficar um tempo no hospital e eles não poderiam vê-lo. Vejam só, na quarta-feira, certamente com dores, com desconforto, com mau estar causados pela doença e brincando alegremente com seus irmãozinhos. Neste mesmo dia recebemos orientação de voltar para o Hospital Geral em Novo Hamburgo que ele seria transferido no dia seguinte pela manhã.
Neste período de Hospital em Novo Hamburgo já começamos a ver as mobilizações e manifestações de carinho de tantos amigos. Padre Diego esteve com ele, tomou sua confissão.... ele estava pronto. Dom Edson também esteve no hospital no dia de sua transferência para Porto Alegre. Eu e a Vivi fomos juntos seguindo a ambulância, nossa ultima viagem juntos. No hospital, mesmo diante de um quadro grave o Lucas ainda mantinha seu controle e preocupação conosco e tentava não demonstrar suas dores. Senti um certo alívio pois estávamos num hospital especializado e se confirmava aquela ideia que tinha de que iniciaríamos uma rotina de hospitais, médicos, exames, mas que no final venceríamos a doença.
Combinamos que a Vivi e a Léti voltariam para São Leopoldo e eu ficaria com ele. Porém na mesma tarde, elas ainda nem tinham saído de Porto Alegre, o quadro se agravou e ele teve que ser transferido a UTI. Nossa, que momentos passei aí, ele tinha retornado de um exame e perguntei como ele se sentia , estava bem sedado mas balbuciou “estranho”. Depois disso não falamos mais com ele. Na transferência para a UTI eu estava no quarto quando os médicos chegaram correndo, colocaram-no na maca e saímos todos correndo, literalmente, com ele e a médica falando comigo que a Leucemia estava avançando e o quadro estava gravíssimo. Que eu não poderia entrar mas que logo nos informava. Disse que iam tentar um medicamento muito eficaz pra conter o avanço, mas que precisávamos rezar. Ele não saiu mais da UTI, um médico bem conceituado disse que tudo que era possível ser feito estava sendo feito e que teríamos que rezar para que o medicamento revertesse o avanço da leucemia. Pediu pra que retornássemos pra casa pois não poderíamos ficar ali. Retornamos pra São Leopoldo nesta noite de quinta-feira, mas, ainda nos preparávamos pra dormir um pouco, nos ligaram do hospital que precisávamos retornar. Este para mim o pior de todos os momentos. Sabia que o quadro era gravíssimo e não iriam nos chamar pra dizer que ele melhorou. Nossa, que viagem de São Leopoldo a Porto Alegre que nunca acabava, nossa querida sobrinha Jéssica se dispôs, aquela hora da noite (deveriam ser por volta de 1:00 da manhã de sexta), a nos acompanhar e dirigir neste trajeto. Logo ao chegarmos nosso Padre Alex também chegou e ficou conosco todo o tempo. Disseram-nos que o quadro se agravava mais anda e ele teria que ser transferido para o Hospital Cristo Redentor. Depois soubemos que esse procedimento era necessário para confirmar a morte cerebral por outro médico. Após esta confirmação nos deram a noticia e retornamos ao Hospital onde ele ficou na UTI até que seu coraçãozinho parasse de bater.
Não era comum, mas por alguma razão o hospital permitiu que entrássemos e ficássemos lá. Como a noticia se espalhava, começaram a chegar muitas pessoas ao hospital. Nunca viram uma UTI com tantas pessoas, não era comum isso no hospital. Estávamos todos lá, nossa família da fé, aos seus pés aguardando sua partida. Rezamos e cantamos a Deus, sim, numa UTI de hospital, com um paciente em morte cerebral. Cada um daqueles que ali estavam tinha histórias profundas de amor com o Lucas. Creio que aqueles momentos ficarão gravados na memória de todos nós por toda a vida. Estávamos acompanhando aquilo que falávamos em tantos encontros, retiros palestras, acontecer de verdade na nossa frente. A busca da santidade, a certeza da eternidade. A páscoa.
Os atos de sepultamento foram todos providenciados por amigos, não nos envolvemos com nada, quanto amor destes amigos conosco. Tínhamos ainda uma decisão para tomar, quanto ao casamento da Laís marcado para o dia seguinte. Quando sentamos para conversar o André meu genro disse: “As datas escolhidas por ambos, pelo Lucas e pela Léti e por ele e a Laís foram escolhidas através de muita oração. Deus estava presente quando fizeram as escolhas e certamente já sabia de tudo que iria acontecer”. Concordamos em manter a cerimônia. De que adiantaria cancelarmos tudo e impedir nossa filha de receber este sacramento que há tanto tempo ela e o André se preparavam para receber.
Nesta mesma noite tínhamos também um acontecimento especial de nosso outro filho da fé, Padre Cleber Rodrigues seria ordenado padre, sim nesta mesma noite e nós seríamos seus padrinhos de ordenação. Desígnios de Deus para todos nós. Nesta celebração não conseguimos comparecer. Quando chegamos a Paróquia da Feitoria onde seria o velório, por volta das 18h até quase 23:00 ficamos de pé abraçando as pessoas que vieram se despedir do Lucas, filas imensas. Grupos de jovens se organizando, com seus violões, os tios do Onda na cozinha, todos fizeram uma vigília desde a chegada do corpo até a missa no outro dia de manhã. Era um clima de amor e consternação que pairava e quem chegava não conseguia ir embora, tamanha a espiritualidade daquele momento.
A missa de corpo presente presidida pelo Padre Diego, com a presença de tantos padres, tantos jovens, foi também inesquecível e certamente ficará também para sempre em nossa memória principalmente sua homilia: “apesar da dor não cesse o louvor, em meus lábios e em meu coração”. Foram tantas pessoas naquela missa, a brigada militar precisou intervir para organizar o trânsito.
A tarde nos preparamos para mais momentos inesquecíveis, o casamento de nossa filha Laís, o Lucas e a Léti seriam padrinhos. Não sabíamos ainda se a Léti conseguiria comparecer, mas, na procissão de entrada, lá estava ela com uma linda flor representando nosso Lucas. Nas palavras do Padre Alex que celebrou o casamento, ao dizerem o sim no altar, naquele momento Laís se encontrava com o Lucas no céu e todos que lá estávamos sentimos isso de fato acontecer.
Tantas outras coisas poderiam ser escritas e lembradas, mas Deus me apresenta estas neste momento, para que muitos outros jovens conheçam a história deste lindo jovem que mudou nossas vidas e ainda continua nos surpreendendo com tanto amor que desperta nas pessoas.